Rocky I – O Schuster disse-me que não contava comigo para o Real Madrid. Não me surpreendi: eu vi logo que o gajo era racista. De alemães não esperava outra coisa. E então fui dar uma volta. Estava eu a ouvir Bob Marley lá para os lados do Paseo de la Castellana quando um tipo cheio de estilo me abordou. Olhei-lhe para os óculos escuros e para a camisa aberta, cheirei-lhe o óleo que escorria das suas melenas e desconfiei logo: “Mau, queres ver que vou ter que aturar com ciganos a estas horas!...”. Mas o tipo não era cigano. Dizia que era o Rui Costa do Maior Clube do Mundo e tal e eu pensei bem e disse-lhe que não conhecia nenhum Costa no Real Madrid, e ele, ah e tal, mas este é que é mesmo o maior clube do mundo e o camandro, e eu “’Tá bem, ‘tá; vai mas é dar uma volta” e ele sacou de uma mala com 4 milhões e eu então rendi-me às evidências e tornei-me no novo Eusébio, o último de uma longa linhagem, contou-me o Costa. Eu só me lembrava do gajo do Barcelona que nada tinha a ver comigo, mas não quis contrariar. Preparei a bagagem e parti para o oeste bravio, para aquela terra a poente da Andaluzia, em busca de um papel que revitalizasse a minha carreira.
Rocky II – Fartei-me de ouvir “Eye Of The Tiger”, dos Survivor, nos primeiros dias em Lisboa. Tan. Tan-tan-tan. Tan-tan-tan. Tan-tan-taaaaan. Raio da música, é mais velha do que eu e os Survivor foram apenas um pouco mais que uns “one-hit-wonder” dos anos 80. Devia ter-me apercebido deste mau agouro. Mas o pessoal via-me a saltar à corda e a subir escadas e delirava. Tudo parecia correr às mil maravilhas e eles ainda não me tinham visto sequer a tratar uma bola. Claro que houve alguns mal-entendidos pelo meio. Houve um adepto que me disse que gostava mais de me ver a matar russos e eu respondi-lhe que esse era o Rambo, eu quanto muito seria o Rocky, mas era tudo Stallone e tudo bem, tem a sua graça. E houve um que me disse que tinha gostado de me ver no filme d’ “O Predador”, mas eu disse-lhe que esse era do Schwarzenegger e ele, “não, pá, não ‘tou a falar do herói…. tu não eras o monstro?”. E então amuei e fui jogar Playstation com o Mister Flores, que era um craque na matéria e nunca dizia que não a um jogo – isto até a Orsi Fehér começar a aparecer lá por casa do mister a querer jogar connosco, altura em que o Mister se tornou mais distante e estranhamente salivante da boca. “Solo tengo dos comandos, tío”, desculpava-se, enquanto me batia com a porta na cara.
Rocky III – Foi muito difícil adaptar-me à língua portuguesa. Um gajo vem habituado a ouvir “ipor la derecha!” e depois ouve um tipo a dizer “encosta-te à direita!” e dá por ele a centrar a bola contra o passarão que estava no último anel. Com o passar do tempo, comecei a ser menos respeitado que esse passarão. Um dia o Costa virou-se para mim e disse-me “tu hoje vais dividir a tua ração com a Vitória, que isto dos alimentos para animais está caro e ando a contar os tostões para fazer mais uns quantos milhões e contratar um espanhol de jeito” e eu calei-me e não comi durante dois meses. Depois formaram uma espécie de Soweto na Luz e fizeram com que eu, o Makukula, o Adu e o Zoro fôssemos amigos à força. O Binya era para se juntar ao gueto, mas até o Costa achou que isso poderia dar azo a uma acção do Corpo de Intervenção da PSP. O Yu Dabao também passou por lá, mas depois arrendou uma zona comercial de 400 m2 com a família dele e foi montar o seu negócio. O Mister Flores meteu-me a titular pela primeira vez num jogo de uma taça esquisita e eu fui para lá apostado em mostrar o meu valor. Mas eu já estava demasiado acostumado à Playstation e passei o tempo todo à procura de um monitor e com os polegares metidos para dentro. Ao fim de 37 minutos de muito gritar e esbracejar, o Mister retirou-me e eu fiquei muito triste e nunca mais fui jogar Playstation à casa dele. A Orsi que o ature.
Rocky IV – O Mister Flores foi-se embora e as pessoas lamentaram muito e acenaram muitos lenços na sua despedida, mas perderam logo toda a lamechice quando foram buscar o “Exterminador” para Mister. Percebi logo que tinham mudado o paradigma de filme de acção. Eles não queriam humanos, queriam máquinas. Comecei a sentir o tapete fugir-me debaixo dos pés. Mas tinha sido apenas um sonho. Quando acordei, o que me tinha mesmo fugido era o recibo de vencimento. E eu, ó diabo, tu queres ver?, fui falar com o Costa e ele, ah e tal, agora não dá, dói-me a cabeça, estou com o período, tive um dia de trabalho muito stressante, nem sequer fiz a depilação, querido, e eu, ai, ai, ai, onde é que eu já ouvi isto?... e confirmou-se, o Costa, esse promíscuo, andava com outros e já não queria saber de mim para nada. E eu assumi uma posição de força e fiz-lhe ver que “eu sou o Balboa!” e ele “pois, está bem, e eu sou um ganda director desportivo, queres ver?” e eu constatei que mais nada havia entre nós os dois. Rasguei a fotografia que tinha na minha carteira e chorei muito, mas que se lixe, directores desportivos há muitos e eu sabia que ainda tinha muito para dar à Playstation.
Rocky V – Tentei ir jantar fora mas disseram-me que os cães não podiam entrar. Eu disse-lhes que não era um cão, era apenas um extremo espanhol de cabelo esquisito e eles responderam que vai dar ao mesmo. Cheguei a casa e o senhorio tinha-me despejado, alegando que eu nem sequer possuía personalidade jurídica. Procurei arranjar casa numa habitação social mas os ciganos disseram-me que eu era má vizinhança e tive que me arranjar no barracão dos No Name até rebentar uma bomba que o destruiu completamente. Agora o meu grande amigo é o Jorge Ribeiro. Nem sequer é o Maniche, é o irmão mais novo dele, o tipo que levava na tromba do Maniche. Não posso ir mais abaixo. O Costa mudou o número do telemóvel e disse-nos que não podemos ir ver os jogos porque temos mau karma e também porque cheiramos mal por não termos dinheiro para pagar a água e tomar duche. Não nos deixaram entrar nos balneários, acusando-nos de termos pé de atleta e que isso era um fungo muito contagioso quase do tamanho do Saviola. Como também não nos deram bolas nem pudemos utilizar os campos de treino, eu e o Jorge Ribeiro entretivemo-nos a jogar à sardinha numa bancada inacabada do Seixal das 8:30 às 18:00. Um dia jogámos à macaca e ganhei com tanto à-vontade que o Jorge ficou muito triste. Dei-lhe o pão com fiambre que iria ser a minha ceia de Natal só para o ver mais arrebitado.
Rocky VI – O futuro pertence a Deus, que é como quem diz ao Costa. Ou seja, esperam-me longos meses nas filas do Centro de Emprego e Formação Profissional. Equacionava entrar no programa das Novas Oportunidades, mas o Costa tem medo que eu vá para o Porto. O Evangelista do Sindicato diz que eu sou um burguês com uma cláusula de rescisão de 20 milhões e que tem saudades de falar à televisão com o Jardel ao lado e uma piscina ao fundo. O Jorge anda esquisito, noutro dia vi-o a falhar penalties imaginários na Sopa dos Pobres e a rir-se para si mesmo. O Costa faz de conta que não me conhece, mas eu sei que o seu coração, lá no fundo, ainda bate por mim. Afinal, 4 milhões não se podem esquecer assim de um momento para o outro. O Exterminador não nos pode ver à frente, nem a mim nem ao Jorge, e quando nos vê ao fundo começa logo a dizer “voceses os dois, quero que desamparem a loja e não aparecem cá nem nos intervais dos jogues, ‘tá bem?” e eu não percebo nada mas sei bem reconhecer a fúria de um Exterminador quando olho para aqueles olhos vermelhos. Sem dúvida, o Benfica está a ser o maior filme da minha vida.
3 comentários:
O texto é voluptuoso, mas as referências ao Yu Dabao,ao comando da playstation e à capacidade do irmão do Maniche para bater livres de 11metros são deliciosas.
melhor post deste gajo até agora. Um Panandetiguiri para si, caro Rodrigues
não é isso, o benfica é que tem mais piada que os outros. culpa as manchetes da bola, record e correio da manhã por esse feito.
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