segunda-feira, setembro 21, 2009

Do Rocky I Ao Rocky VI

Por Javier Balboa

Rocky I – O Schuster disse-me que não contava comigo para o Real Madrid. Não me surpreendi: eu vi logo que o gajo era racista. De alemães não esperava outra coisa. E então fui dar uma volta. Estava eu a ouvir Bob Marley lá para os lados do Paseo de la Castellana quando um tipo cheio de estilo me abordou. Olhei-lhe para os óculos escuros e para a camisa aberta, cheirei-lhe o óleo que escorria das suas melenas e desconfiei logo: “Mau, queres ver que vou ter que aturar com ciganos a estas horas!...”. Mas o tipo não era cigano. Dizia que era o Rui Costa do Maior Clube do Mundo e tal e eu pensei bem e disse-lhe que não conhecia nenhum Costa no Real Madrid, e ele, ah e tal, mas este é que é mesmo o maior clube do mundo e o camandro, e eu “’Tá bem, ‘tá; vai mas é dar uma volta” e ele sacou de uma mala com 4 milhões e eu então rendi-me às evidências e tornei-me no novo Eusébio, o último de uma longa linhagem, contou-me o Costa. Eu só me lembrava do gajo do Barcelona que nada tinha a ver comigo, mas não quis contrariar. Preparei a bagagem e parti para o oeste bravio, para aquela terra a poente da Andaluzia, em busca de um papel que revitalizasse a minha carreira.

Rocky II – Fartei-me de ouvir “Eye Of The Tiger”, dos Survivor, nos primeiros dias em Lisboa. Tan. Tan-tan-tan. Tan-tan-tan. Tan-tan-taaaaan. Raio da música, é mais velha do que eu e os Survivor foram apenas um pouco mais que uns “one-hit-wonder” dos anos 80. Devia ter-me apercebido deste mau agouro. Mas o pessoal via-me a saltar à corda e a subir escadas e delirava. Tudo parecia correr às mil maravilhas e eles ainda não me tinham visto sequer a tratar uma bola. Claro que houve alguns mal-entendidos pelo meio. Houve um adepto que me disse que gostava mais de me ver a matar russos e eu respondi-lhe que esse era o Rambo, eu quanto muito seria o Rocky, mas era tudo Stallone e tudo bem, tem a sua graça. E houve um que me disse que tinha gostado de me ver no filme d’ “O Predador”, mas eu disse-lhe que esse era do Schwarzenegger e ele, “não, pá, não ‘tou a falar do herói…. tu não eras o monstro?”. E então amuei e fui jogar Playstation com o Mister Flores, que era um craque na matéria e nunca dizia que não a um jogo – isto até a Orsi Fehér começar a aparecer lá por casa do mister a querer jogar connosco, altura em que o Mister se tornou mais distante e estranhamente salivante da boca. “Solo tengo dos comandos, tío”, desculpava-se, enquanto me batia com a porta na cara.

Rocky III – Foi muito difícil adaptar-me à língua portuguesa. Um gajo vem habituado a ouvir “ipor la derecha!” e depois ouve um tipo a dizer “encosta-te à direita!” e dá por ele a centrar a bola contra o passarão que estava no último anel. Com o passar do tempo, comecei a ser menos respeitado que esse passarão. Um dia o Costa virou-se para mim e disse-me “tu hoje vais dividir a tua ração com a Vitória, que isto dos alimentos para animais está caro e ando a contar os tostões para fazer mais uns quantos milhões e contratar um espanhol de jeito” e eu calei-me e não comi durante dois meses. Depois formaram uma espécie de Soweto na Luz e fizeram com que eu, o Makukula, o Adu e o Zoro fôssemos amigos à força. O Binya era para se juntar ao gueto, mas até o Costa achou que isso poderia dar azo a uma acção do Corpo de Intervenção da PSP. O Yu Dabao também passou por lá, mas depois arrendou uma zona comercial de 400 m2 com a família dele e foi montar o seu negócio. O Mister Flores meteu-me a titular pela primeira vez num jogo de uma taça esquisita e eu fui para lá apostado em mostrar o meu valor. Mas eu já estava demasiado acostumado à Playstation e passei o tempo todo à procura de um monitor e com os polegares metidos para dentro. Ao fim de 37 minutos de muito gritar e esbracejar, o Mister retirou-me e eu fiquei muito triste e nunca mais fui jogar Playstation à casa dele. A Orsi que o ature.

Rocky IV – O Mister Flores foi-se embora e as pessoas lamentaram muito e acenaram muitos lenços na sua despedida, mas perderam logo toda a lamechice quando foram buscar o “Exterminador” para Mister. Percebi logo que tinham mudado o paradigma de filme de acção. Eles não queriam humanos, queriam máquinas. Comecei a sentir o tapete fugir-me debaixo dos pés. Mas tinha sido apenas um sonho. Quando acordei, o que me tinha mesmo fugido era o recibo de vencimento. E eu, ó diabo, tu queres ver?, fui falar com o Costa e ele, ah e tal, agora não dá, dói-me a cabeça, estou com o período, tive um dia de trabalho muito stressante, nem sequer fiz a depilação, querido, e eu, ai, ai, ai, onde é que eu já ouvi isto?... e confirmou-se, o Costa, esse promíscuo, andava com outros e já não queria saber de mim para nada. E eu assumi uma posição de força e fiz-lhe ver que “eu sou o Balboa!” e ele “pois, está bem, e eu sou um ganda director desportivo, queres ver?” e eu constatei que mais nada havia entre nós os dois. Rasguei a fotografia que tinha na minha carteira e chorei muito, mas que se lixe, directores desportivos há muitos e eu sabia que ainda tinha muito para dar à Playstation.

Rocky V – Tentei ir jantar fora mas disseram-me que os cães não podiam entrar. Eu disse-lhes que não era um cão, era apenas um extremo espanhol de cabelo esquisito e eles responderam que vai dar ao mesmo. Cheguei a casa e o senhorio tinha-me despejado, alegando que eu nem sequer possuía personalidade jurídica. Procurei arranjar casa numa habitação social mas os ciganos disseram-me que eu era má vizinhança e tive que me arranjar no barracão dos No Name até rebentar uma bomba que o destruiu completamente. Agora o meu grande amigo é o Jorge Ribeiro. Nem sequer é o Maniche, é o irmão mais novo dele, o tipo que levava na tromba do Maniche. Não posso ir mais abaixo. O Costa mudou o número do telemóvel e disse-nos que não podemos ir ver os jogos porque temos mau karma e também porque cheiramos mal por não termos dinheiro para pagar a água e tomar duche. Não nos deixaram entrar nos balneários, acusando-nos de termos pé de atleta e que isso era um fungo muito contagioso quase do tamanho do Saviola. Como também não nos deram bolas nem pudemos utilizar os campos de treino, eu e o Jorge Ribeiro entretivemo-nos a jogar à sardinha numa bancada inacabada do Seixal das 8:30 às 18:00. Um dia jogámos à macaca e ganhei com tanto à-vontade que o Jorge ficou muito triste. Dei-lhe o pão com fiambre que iria ser a minha ceia de Natal só para o ver mais arrebitado.

Rocky VI – O futuro pertence a Deus, que é como quem diz ao Costa. Ou seja, esperam-me longos meses nas filas do Centro de Emprego e Formação Profissional. Equacionava entrar no programa das Novas Oportunidades, mas o Costa tem medo que eu vá para o Porto. O Evangelista do Sindicato diz que eu sou um burguês com uma cláusula de rescisão de 20 milhões e que tem saudades de falar à televisão com o Jardel ao lado e uma piscina ao fundo. O Jorge anda esquisito, noutro dia vi-o a falhar penalties imaginários na Sopa dos Pobres e a rir-se para si mesmo. O Costa faz de conta que não me conhece, mas eu sei que o seu coração, lá no fundo, ainda bate por mim. Afinal, 4 milhões não se podem esquecer assim de um momento para o outro. O Exterminador não nos pode ver à frente, nem a mim nem ao Jorge, e quando nos vê ao fundo começa logo a dizer “voceses os dois, quero que desamparem a loja e não aparecem cá nem nos intervais dos jogues, ‘tá bem?” e eu não percebo nada mas sei bem reconhecer a fúria de um Exterminador quando olho para aqueles olhos vermelhos. Sem dúvida, o Benfica está a ser o maior filme da minha vida.

3 comentários:

Anónimo disse...

O texto é voluptuoso, mas as referências ao Yu Dabao,ao comando da playstation e à capacidade do irmão do Maniche para bater livres de 11metros são deliciosas.

Chutes too veia disse...

melhor post deste gajo até agora. Um Panandetiguiri para si, caro Rodrigues

carrasqueira disse...

não é isso, o benfica é que tem mais piada que os outros. culpa as manchetes da bola, record e correio da manhã por esse feito.

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